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AS BUSCAS DA DANÇA CONTEMPORÂNEA

21 novembro 2009 Nenhum comentário

Provocador como todo evento de experimentação artística se pretende, a 6ª Bienal Sesc de Dança estendeu por Santos uma teia de conexões, levando performances, espetáculos, intervenções e instalações para os mais diversos e inusitados espaços, como edifícios históricos, praças, esquinas e até banheiros.

O mundo contemporâneo pede reais conexões e foi isso que a Bienal buscou. Durante uma semana Santos tornou-se um imenso corpo-cidade aberto à investigação. Transformou espectadores em coreógrafos, intérpretes e em jogadores e tornou os espaços físicos integrantes do espetáculo. Possibilitou que o público escolhesse a música, os temas e os movimentos dos bailarinos, assim como o espaço e o tempo da performance.

Clariceanas

No centro histórico de Santos, a Frontaria Azulejada abrigou espetáculos como Clariceanas (Quik Cia de Dança e Colaboradores)…


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…enquanto Infiltrações (Couve-flor Minicomunidade Artística Mundial) espalhou signos amarelos pela Bolsa do Café, um restaurante e a rua XV de Novembro.


Além da música e do teatro, a dança conectou-se à literatura, à linguagem do vídeo, das artes plásticas, aos games eletrônicos, aos jogos, numa retro-alimentação artística, criando um mundo de inesgotáveis possibilidades. Por tudo isso, a Bienal provocou reações as mais diversas: encantamento, questionamento, surpresa e estranhamento.

Isto é apenas uma mulher
Isto é apenas uma mulher (Núcleo Vagapara): intervenção mexeu com o cotidiano da Rua XV de Novembro, também no centro histórico.

Ao conectarem-se com o espectador e seu espaço físico, os artistas travaram contato com outra realidade e passaram a agir também na essência daquele local. “Isso funciona no fluxo e no trânsito de informações com o meio. É o que o filósofo escocês Andy Clarke chama de explanação emergencial, que considera que o registro de informação no corpo dá-se por acoplamento. Nesse contexto, o intérprete age de acordo com a modificação que lhe impõe o espaço e a circunstância”, pontua a coordenadora técnica do evento, Rosa Mendez Freire, sobre o tema da 6ª bienal, Conexões.

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Em Espaço para dança (Angioma- Organismo da Arte), o público da Praça Mauá (centro) decidiu o espaço, o tema, a música e o figurino da bailarina/intérprete


“Desde a sua primeira edição, há 11 anos, a Bienal revela essa interface em que o criador dialoga em tempo real com o receptor, envolvendo-o na obra e explorando o espaço físico – aberto – até atingir algo inédito, suscetível a interferências, imprevisível como a vida costuma ser. Uma estética que fuja das amarras”, diz Rosa.

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Em diversos espaços da cidade, como na Praça do Aquário (foto), Jogos coreográficos (bailarinos de Santos + a coreógrafa Ligia Tourinho) transformou espectadores em coreógrafos.


A Bienal foi uma grande oportunidade de integração dos mais diversos públicos à dança contemporânea. Ao mesmo tempo em que os movimentos dos bailarinos/intérpretes traduziram sentimentos universais – os sonhos, os medos, os desejos – do nosso tempo, também fizeram emergir suas raízes culturais ou expressões locais em uma conexão de tantas diferenças, formando um grande mosaico. “As companhias trazem de suas regiões as suas raízes e isso fica visível nas suas criações”.

Nesta busca por valorizar as múltiplas possibilidades de criação/conexão, nem sempre os trabalhos – talvez por se aproximarem de um universo extremamente conceitual – conseguiram se comunicar com o espectador, o que levou muitos a questionarem: são as pessoas que não estão preparadas para o espetáculo ou será que o trabalho não estava preparado para ser mostrado?

Provocar reações – ainda que seja o incômodo – é natureza da dança contemporânea que, para além da fruição, incita o pensar. O seu apelo não é só visual, “é um instrumento das reações e acontecimentos sociais, é espelho e lugar. Ela aproxima as relações quando o trabalho do coreógrafo/intérprete consegue atingir o público de alguma forma”, diz Rosa.

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No Sesc Santos, a instalação coreográfica Dança Artesanal – Jogo de Dança II (Coletivo Gt’aime + Silenciosas) conectou pelo riso.

Rótulos não cabem na dança contemporânea. Ela tem que ser uma zona aberta e cada canal de recepção do indivíduo é único, – cada trabalho é uma obra de arte aberta, destinada a muitas interpretações. “Quem é ligado à arte não pode ficar de fora destas tendências. Isso é necessário para que a arte possa continuar viva, atuando de forma independente, diferente do trabalho que a internet, a TV faz. Temos que ter a sensação de estranhamento”.

Durante os painéis de debate ficou clara a atual busca pela expressão da singularidade (ou intimidade) do indivíduo na dança, avalia a coordenadora. “Os criadores buscam cada vez mais explorar situações, vivências a partir do seu repertório de vida, a preparar o corpo a partir da sua própria intimidade e não somente a partir das referências acadêmicas”. Ao embasarem-se em autores ou referências padronizados pelas universidades, algumas criações se tornam muito parecidas com as outras e acabam causando um desinteresse do público, acredita Rosa. “É preciso buscar algo interno, não de fora para dentro para a expressão artística. Para ter uma intimidade com o público, é preciso estar voltado ao indivíduo”.

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Célia Faustino levou para a Pinacoteca Benedicto Calixto um trabalho inspirado em Clarice Lispector: Repetição e/ou transformação – farejando as pistas desse corpo-casa (foto de Chris Amorim).

A Bienal é, sobretudo, lugar para se pensar/fazer arte, algo necessário para se mover a roda, para se manter a produção artística sempre em movimento. A diversidade de propostas apresentadas atraiu públicos os mais diversos, não só ligados ao meio. Um dos desafios da dança, ao que tudo indica, parece ser o cuidado em não andar pra trás e nem em transformar a amplitude das possibilidades em perda de sentido. Uma discussão pós-evento ao longo de 2010, pontuada por ações que integram diálogos sobre arte contemporânea, oficinas-montagem e apresentações de dança, possibilitará continuar repensando as inquietações e indagações que compõem este maravilhoso universo. (Márcia Costa)

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