REFLEXÕES SOBRE DANÇA E CULTURA NA BIENAL
“Quanto mais global for o problema, mais locais e mais multiplamente locais devem ser as soluções”.
Essa abordagem do pensador português Boaventura de Souza Santos em seu livro “Pela mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade” servem bem a ilustrar o que vi e ouvi na mesa de debates dia 3 de novembro no Sesc-Santos com Danilo Santos de Miranda e uma afiadíssima representante da dança e cena cultural francesa Annie Bozzini. Vem de longe minha admiração sincera por Danilo, que considero o maior gestor e instigador cultural do Brasil. Guardo com carinho, até como um manifesto uma entrevista ao “Estado” de 7 / 11/ 07 com a seguinte manchete sobre a TV Sesc: “Não interessa fazer TV só de entretenimento”. Segue quando ele diz de modo contundente : “Dar espaço a experimentações que as outras emissoras, por compromissos comerciais, não dão. Não tem sentido fazer o mesmo que as outras TVs. Nossa ambição é renovar a linguagem da TV”. Assim tem sido o trabalho do Sesc na minha Arte: Literatura e em especial na Dança. Estava eu ali ao lado do meu mestre e amigo, Gilberto Mendes, saudado com toda justiça por Danilo Miranda como nosso maior músico e compositor erudito brasileiro: uma tarde para não esquecer: o diretor-regional do Sesc-SP em pura sintonia com nossa forma deleuziana de ver arte como resistência ‘a idiotização e descontruindo a “glamourização da burrice” ‘ que nos assola . Não fosse o Sesc , estaríamos nós artistas de vanguarda, reféns do “mercado editorial”, quando o que tencionamos de modo visceral é Alta Literatura, da mesma forma, artistas plástico teriam que se render ao “mercado de arte” quando o que buscam é Arte! Além do culto ao corpo, da ginástica, da “malhação”, essa Bienal prova que o movimento pode ser profundamente crítico e intertextual “conversando” com outras expressões como uma companhia convergindo ao universo de Clarice Lispector e outra com Lenine. Alías, a tônica do encontro foi “transversibilidade artístico-cultural” e dois nomes reverenciados: Pina Bausch e Merce Cunningham, que como Bergman e Antonionni morreram quase ao mesmo tempo numa dramática sincronicidade.
Sobre a pertinência da Bienal em Santos, Danilo falou de sua visita a Cádiz e sem saber fez coro inconsciente com mesma visão de cidade-estado, de “insula mágica”, de terra destacada por suas peculiaridades cosmopolitas como Tanger, Trieste ou Xangai para definir Santos como feliz e gozozamante “condenada” ao intercâmbio ´glocalizado´ com outras culturas: mesma mirada que eu e Gilberto Mendes temos desse porto mítico. Comove ver a Praça Mauá e o Centro Velho onde passaram os Andradas e tantos viajantes como: Sir Richard Burton, cônsul britânico e erudito inglês, Manet, Mellville, Puccini, Neruda, Lorca e Elizabeth Bishop, entre tantos sábios e artistas que como Sarah Bernhardt aqui se apresentaram ou viveram como passageiros do eterno.
Nossa cidade reúne metafórica e metalinguisticamente os três atributos que Pierre Michaut exige para definir o Ballet: ritmo, velocidade e o surto! Quantos neologismos corporais tenho presenciado nessa Bienal e quão importante foi esse encontro sobre perspectivas da Cultura e Dança, que foi coroado com constatação da representante de França: “Em meu país seria impossível, dada as características centralizadoras da Cultura, um sistema tão eficiente de promoção pública de humanismo compartilhado e Cultura libertária, que não estatal, feito o Sesc no Brasil”. A reflexão apartir da Dança contêm todos elementos de motivação do Homem diante do impasse da existência em meio ao Caos que pode ser paralisante ou propulsionador. Lembro de frase lapidar de Pina Bausch: “Não me importa como as pessoas se mexem , mas o que faz com que se mexam”.
Um dístico, um norteamento para a Dança, coreografia e para a Vida …
Flávio Viegas Amoreira (Escritor, crítico literário, jornalista)
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